Julgamento no Supremo Tribunal Federal pode começar nessa semana e há votos esperados para os dois lados, mas direção do placar final é incerta
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve começar a julgar nesta semana uma ação que pede a ampla descriminalização do aborto realizado até 12 semanas de gestação, apresentada em 2017 pelo PSOL e o Instituto Anis.
A relatora do caso e presidente do STF, Rosa Weber, ainda não marcou a data do julgamento. Mas, como Weber se aposenta no dia 2 de outubro, o caso deve começar a ser analisado antes disso.
Hoje, o aborto é permitido parcialmente no país. A legislação autoriza a prática em casos de gravidez por estupro e quando há risco para a vida da gestante. Já o STF liberou em 2012 o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), que não têm possibilidade de viver após o parto.
Defensores da descriminalização dizem que o aborto deve ser uma decisão da mulher e que sua proibição fere direitos humanos da gestante. Já opositores defendem que a vida começa na concepção e que, portanto, deve-se proteger o feto.
Como relatora, Weber será a primeira a dos onze ministros votar. A expectativa é que ela será favorável à ampla descriminalização, mas não está claro nos bastidores do Supremo se há maioria para acompanhá-la.
Uma análise de manifestações prévias e do perfil dos ministros, no entanto, permite identificar alguns votos prováveis contra e a favor.
Defensores da descriminalização esperam ter ao menos quatro votos: além do de Weber, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
No caso de Weber, Barroso e Fachin, os três já se manifestaram contra a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação em um julgamento da Primeira Turma do STF de 2016 que determinou a soltura de funcionários e médicos de uma clínica clandestina em Duque de Caxias (RJ), presos preventivamente.
Já a expectativa do voto de Cármen Lúcia tem relação com o fato de ser uma mulher com visão progressista nas pautas de costumes.
Por outro lado, os ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – Kássio Nunes e André Mendonça – devem votar contra a ampla liberação do aborto.
Há mais incerteza sobre como vão se posicionar os demais: Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
O placar final, porém, deve demorar a sair. A expectativa é que o julgamento seja interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar a ação) de um dos ministros. O prazo para liberar a ação após pedido de vista é de 90 dias.
Confirmando-se o esperado adiamento, quem decidirá sobre a retomada ou não do julgamento será Barroso, próximo presidente da Corte.
Os argumentos pela descriminalização
No julgamento de 2016 em que a Primeira Turma soltou pessoas acusadas de praticar aborto em uma clínica clandestina, Barroso liderou a posição pela ampla descriminalização, com apoio de Weber e Fachin.
Também participaram daquele julgamento Fux e Marco Aurélio (já aposentado). Eles concordaram com a revogação da prisão preventiva por questões processuais, mas não se manifestaram sobre a descriminalização do aborto.
Naquele julgamento, Barroso argumentou que há controvérsia sobre o momento do início da vida – se na fecundação ou apenas na formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência, o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação.
O ministro ressaltou não haver resposta jurídica para essa questão, que seria de fundo religioso e filosófico. Argumentou, porém, que até o terceiro mês de gestação não há possibilidade de vida do feto fora do útero.
Para Barroso, obrigar que uma mulher leve adiante uma gestação nesse estágio inicial fere direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher e à igualdade de gênero.
"Quando se trate de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele relacionadas, inclusive a de cessar ou não uma gravidez" argumentou o ministro.
"Como pode o Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de justiça ou um juiz de direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida", continuou, ao votar em 2016.
Por outro lado, o ministro disse que não estava defendendo a disseminação do procedimento.
"O aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve. Por isso mesmo, é papel do Estado e da sociedade atuar nesse sentido, mediante oferta de educação sexual, distribuição de meios contraceptivos e amparo à mulher que deseje ter o filho e se encontre em circunstâncias adversas", disse em seu voto.
O que dizem os ministros contrários à liberação?
Kássio Nunes e André Mendonça já se declararam publicamente contra a ampliação do acesso ao aborto.
Ao ter sua indicação ao STF sabatinada no Senado em outubro de 2020, Marques se disse contra a interrupção da gravidez por razões pessoais: "Questões familiares, questões pessoais, experiências minhas vividas. A minha formação é sempre em defesa do direito à vida".
Ele também manifestou que as três hipóteses de liberação do aborto no Brasil estariam adequadas e que apenas algum fator extraordinário poderia provocar a ampliação disso.
"Dentro da quadra que está estabelecida, eu analiso com muita razoabilidade a forma atual do tratamento desta questão (do aborto). Eu entendo que o poder Judiciário muito provavelmente exauriu as hipóteses dentro desta sociedade", disse também na sabatina.
"Só se eventualmente vier a acontecer algo que hoje é inimaginável. Alguma pandemia, algum problema como o caso da anencefalia provocada pelo mosquito da zika, algo nesse sentido que transformasse a sociedade e provocasse, tanto o Congresso quanto o Poder Judiciário, para promover modificações nesse sentido", disse.
A Associação Nacional de Defensores Públicos chegou a apresentar um ação que pedia a liberação do aborto para grávidas infectadas pelo vírus da zika, doença que causa microcefalia (quando o cérebro do feto não se desenvolve de maneira adequada).
No entanto, o Supremo decidiu em abril de 2020 não julgar o mérito da ação, recusando seu andamento por questões processuais.
Já André Mendonça chegou a se manifestar nessa ação quando era advogado-geral da União, argumentando contra o direito ao aborto em caso de gestante infectada pela zika. Para ele, seria uma espécie de eugenia interromper a gravidez por esse motivo.
"Lamentável. Um retrocesso para a sociedade. O pedido se trata do estabelecimento e da constitucionalização de uma segregação das espécies, que foi presente no regime nazista", argumentou na ocasião.
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