Projetos de Lei para energia solar podem limitar poder de distribuidoras
O mercado de energia solar no Brasil está em disparada. Em dez anos, entre 2015 e 2024, a potência instalada no país aumentou em mais de 1.000 vezes e, hoje, chega a 50,6 GW, o que equivale a quase quatro usinas hidrelétricas de Itaipu. Mas obstáculos ficam no caminho do desenvolvimento do setor, cujos representantes enxergam concorrência desleal das grandes distribuidoras e apontam deficiências históricas de infraestrutura no Brasil. Agora, Projetos de Lei (PLs) em tramitação tentam solucionar parte dessas questões e são acompanhados de perto pelo segmento, com possíveis consequências para a conta de luz de todos os brasileiros.
Hoje, dois projetos mobilizam o setor fotovoltaico com potencial para mudar o jogo da energia solar no Brasil: o PL 624/2023 e o PL 671/2024. O primeiro institui o Programa Renda Básica Energética (Rebe), que prevê a instalação de painéis solares na casa de famílias de baixa renda. Seria uma substituição à atual tarifa social de energia elétrica, que dá descontos de até 100% e consumiu R$ 4,7 bilhões em 2024, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O valor faz parte da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que é dividido entre os consumidores brasileiros. A dúvida, por ora, é o impacto que a mudança poderia ter no Orçamento e nas contas de luz. “Ninguém é contra a tarifa social. A grande polêmica do projeto é que alguns acham que a tarifa elétrica vai subir, e outros, que vai cair”, pontua o presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Carlos Evangelista. Pelos cálculos da entidade, haveria redução da CDE e, consequentemente, da conta de luz.
“Os consumidores de baixa renda deixam de ter o desconto na conta e passam a gerar a energia deles. Há um desembolso maior para o governo no primeiro momento, mas, em troca, substitui-se um benefício que onera a conta de todos os consumidores”, completa a vice-presidente para geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Bárbara Rubim.
Os críticos, por outro lado, afirmam que o projeto poderia aumentar subsídios já considerados elevados. “Não tem como o projeto ser efetuado sem aumentar o valor que os demais consumidores brasileiros pagam hoje”, crava o presidente executivo da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira. Ele também pondera que, no longo prazo, os consumidores de baixa renda pagariam mais pelo sistema solar do que pagam hoje com o desconto da tarifa social.
A questão da inversão de fluxo na energia solar
O PL 624 toca, ainda, em outro ponto sensível do setor fotovoltaico: a dificuldade em implementar projetos de energia solar. Isso ocorre devido a fatores técnicos e também, segundo entidades que representam o setor, à atuação das distribuidoras de energia.
O centro do problema está em um fenômeno chamado inversão de fluxo. O sistema elétrico do Brasil – e do mundo – foi desenhado com um modelo tradicional em mente, com um passo a passo de geração em uma grande fonte, transmissão e distribuição aos consumidores. Mas a energia solar muda essa lógica.
A produção na própria casa ou empresa é chamada geração distribuída (GD). O que não é utilizado no próprio local, volta para a rede. Há, então, uma inversão de fluxo. Isto é, em vez de seguir da rede para a casa, a energia sai da casa para a rede. Ocorre que, por questões de infraestrutura, há pontos que podem sofrer sobrecarga devido ao volume de inversão de fluxo, o que pode fragilizar a rede.
Uma resolução da Aneel publicada em 2024 (1.098/2024) tentou esclarecer os parâmetros para a análise da inversão de fluxo. De acordo com representantes do setor, porém, ela deixou brechas para que as distribuidoras reprovassem projetos em massa com base nesse critério. O PL 624, que tramita no Senado, esclarece situações em que as distribuidoras podem utilizar a inversão de fluxo como justificativa para frear projetos.
“A regulação é importante, e temos pleiteado que a Aneel fiscalize e analise os impactos regulatórios que a norma de 2024 tem trazido para não termos que esperar três, cinco anos para conseguir corrigir isso. O PL resolve a questão para 80%, 90% dos consumidores”, pontua Bárbara Rubim, da Absolar.
Após a resolução, a situação ficou mais fácil para os pequenos clientes residenciais, mas se complicou para os comerciais e residenciais de maior porte, avalia o diretor executivo da empresa de equipamentos fotovoltaicos Minha Casa Solar, Luís Felipe Melo Lima. “Sentimos uma redução do tamanho do mercado e uma lentidão nas vendas. O mercado começou a andar devagar, porque agora alguém só compra quando tem certeza de que a distribuidora aprovou o projeto”, disse.
Setor enfatiza questão técnica
Procurada pela reportagem, a Cemig afirmou que “não tem reprovado, indeferido ou negado solicitações de orçamento de conexão por fluxo reverso ou inversão de fluxo”. A companhia detalhou que, quando a inversão é identificada, realiza estudos para identificar opções viáveis que a eliminem e que a decisão de prosseguir com a conexão é do consumidor.
“A Cemig ressalta que realiza as conexões de novas cargas e de geradores observando os dispositivos que regulamentam o setor elétrico e busca continuamente o aprimoramento de seus processos para atender aos seus clientes com segurança, eficiência e agilidade”, diz nota da empresa.
O presidente executivo da Abradee, que representa as distribuidoras, Marcos Madureira, enfatiza que as restrições por inversão de fluxo são técnicas, e não intencionais. “Não é uma restrição que a distribuidora está criando para evitar que se possa fazer uma inserção. São pontos importantes, aspectos técnicos pelo volume de geração instalada, que está sendo muito maior do que aquele que poderia ser instalado em uma região”.
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