Empreendedorismo Negro Cresce no Brasil: Um Caminho de Superação e Identidade
Entre 2013 e 2023, o número de empreendedores no Brasil aumentou de 12,8 milhões para 15,6 milhões, segundo levantamento realizado pelo Sebrae. O ato de deixar o emprego formal para abrir um negócio próprio tem se tornado cada vez mais comum entre a população negra. Durante esse período, a quantidade de empreendedores negros cresceu 22%, superando a expansão de 18% registrada entre os brancos donos de pequenos negócios. O estudo, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), foi divulgado na semana do Dia da Consciência Negra (20 de novembro). Para Tábata Moreira, analista do Sebrae Minas, o empreendedorismo surge frequentemente como a principal alternativa diante da falta de oportunidades no mercado formal. “Além disso, o fortalecimento da identidade negra e o aumento do consumo consciente incentivam negócios que valorizam a cultura afro-brasileira”, observa.
Uma pesquisa recente do Sebrae Minas, realizada com 739 empreendedores do estado em outubro deste ano, revelou que a maior parte dos entrevistados (33%) iniciou sua trajetória empreendedora após os 35 anos. “Isso pode refletir dificuldades de inserção no mercado formal ao longo da vida ou mostrar que muitos só conseguem começar a empreender depois de acumular experiência, recursos financeiros ou maior estabilidade pessoal, o que pode ser mais demorado devido às desigualdades estruturais”, afirma Aline, analista do Sebrae.
Geisa Brito, de 42 anos, é um exemplo disso. Ela passou a empreender integralmente em maio deste ano, após dividir-se entre um emprego com carteira assinada e a venda de calçados para complementar a renda. A mudança para o empreendedorismo ocorreu após a maternidade, quando ela percebeu que a carga horária fixa imposta pelas empresas dificultava sua rotina. “As empresas não são tão flexíveis. Você fica o dia inteiro no escritório e, se precisar faltar por motivos pessoais, há uma cobrança excessiva para repor essas horas. Eu não me sentia realizada profissionalmente, então isso criou o cenário perfeito para eu focar exclusivamente na venda de calçados”, explica.
Com o dinheiro do acerto, cerca de R$ 10 mil, ela investiu na profissionalização de seu negócio para expandir. Criou uma plataforma online para alcançar clientes em todo o Brasil e tem investido em estoque, embalagens personalizadas e mentorias em marketing digital. “Ainda é um desafio, pois não sabemos se terá retorno. Cada quantia é importante para os pequenos empreendedores. Por isso, pretendo crescer aos poucos, focando em produtos exclusivos e de qualidade, para me diferenciar no mercado.” Apesar dos desafios, a maioria dos empreendedores negros tem uma visão positiva para o futuro. De acordo com a pesquisa do Sebrae Minas, 71% dos entrevistados planejam expandir seus negócios nos próximos cinco anos.
Expansão Internacional
Expandir o negócio além das fronteiras tem sido uma realidade para o administrador de empresas Saulo Henrique, de 32 anos, que encontrou no empreendedorismo a chance de viver fora do Brasil. Ele é dono de uma empresa de turismo, conta com cinco colaboradores e planeja aumentar a equipe nos próximos anos. “Quero expandir, já estou planejando reinvestir e continuar prosperando.”
O caminho, porém, foi árduo. Após deixar seu emprego em 2018, Saulo foi para o Chile trabalhar em um hostel em troca de hospedagem. Meses depois, começou a vender passeios turísticos e, no final de 2019, começou a dar os primeiros passos para ter seu próprio negócio. “Comecei a empreender na raça. No começo, não falava bem o idioma e não tinha formação na área de turismo. Mas, como sempre trabalhei com pessoas, me adaptei bem à comunicação. Fui criando conteúdo para as redes sociais e o negócio foi tomando forma”, relembra.
Além das dificuldades de morar fora, ele enfrentou o preconceito de turistas brasileiros e a alta competitividade no setor. A pesquisa mostrou que 32% dos empreendedores negros consideram a concorrência um dos maiores desafios ao empreender. “É muito difícil encontrar pessoas em quem confiar. A solidão, sem amigos e familiares por perto, também é um obstáculo. Há cerca de um ano, comecei a fazer terapia para lidar com isso. O desafio é mental”, diz Saulo. No entanto, o maior obstáculo enfrentado pelos empreendedores negros, segundo a pesquisa, é o acesso a crédito, apontado por 48% dos entrevistados. Aline, analista do Sebrae, afirma que esse desafio está relacionado à falta de garantias, juros altos e discriminação, que limitam o crescimento dos negócios.
“A solução passa pela ampliação de políticas públicas que facilitem o crédito para empreendedores negros, como linhas de financiamento específicas, garantias solidárias e programas de educação financeira. Além disso, fortalecer redes de apoio e iniciativas para o afroempreendedorismo pode criar um ambiente mais inclusivo e sustentável”, enfatiza Aline.
Apoio aos Pequenos Negócios
Fortalecer empreendimentos de pessoas negras é o principal objetivo da Rede Afroempreendedora, fundada em 2016. O projeto já beneficiou mais de 160 pessoas, oferecendo cursos e ações de capacitação, incluindo aulas de inglês e oficinas antirracistas. Frederico Mendes, coordenador educacional do Aquilombar, que integra o projeto, explica que a proposta é promover a autonomia financeira dos nanoempreendedores, especialmente mulheres negras que precisam sustentar suas famílias. “Sabemos que a empregabilidade formal é um problema no país, por isso o projeto atua nessa área de vulnerabilidade social. Formamos uma rede de apoio e colaboração entre os empreendedores”, destaca.
Além da capacitação, o projeto também oferece apoio financeiro para aqueles que não têm recursos para iniciar seu próprio negócio. “Um dos maiores problemas é não ter dinheiro para tirar boas ideias do papel. Por isso, é fundamental investir nisso, além da formação”, aponta Mendes. Para Aline, do Sebrae, o empreendedorismo é uma ferramenta essencial para promover inclusão social e econômica, especialmente em um contexto de desigualdade estrutural. “Os negócios liderados por negros geram impactos positivos na comunidade, criando empregos, promovendo a circulação de renda e valorizando a cultura afro-brasileira. Além disso, esses empreendimentos reforçam o senso de pertencimento e contribuem para uma sociedade mais igualitária”, conclui.
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