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Coluna Alerta Digital - 22/02/2024

  • gazetadevarginhasi
  • 22 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura


O Abuso Sexual Infantil e o movimento de derrubada geral


Na década de 1980, uma série de casos de criança desaparecidas começaram a chamar a atenção das autoridades norte-americanas. Um dos mais notórios ocorreu em 1979 e envolveu o menino Etan Patz, de Nova York, então com seis anos de idade. Em 1981, na Flórida, Adam Walsh também de seis anos de idade foi sequestrado em um shopping e posteriormente encontrado morto. O pai de Adam, John Walsh tornou-se um ferrenho defensor dos direitos das crianças desparecidas e exploradas e o apresentador do programa de televisão “America´s Most Wanted” (Os mais procurados da América, em tradução livre).

Esses casos continuaram a ocorrer e chamar a atenção da mídia até um ponto em que os EUA notaram a imprescindibilidade de atuar de forma mais organizada para evitar os desparecimentos e a exploração sexual infantil, muitas vezes relacionada a tais fatos. Foi assim que, em 1984, o Congresso dos EUA aprovou a “Missing Children’s Assistance Act” (Lei de Assistência a Crianças Desaparecidas), e forneceu o financiamento necessário que ajudou a estabelecer o National Center for Missing & Exploited Children – NCMEC (Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, em tradução livre).

O NCMEC é uma organização privada sem fins lucrativos que atua em parceria com o Departamento de Justiça dos EUA, e oferece serviços como uma linha direta para relatar casos de crianças desaparecidas e exploradas, assistência na coordenação com as forças da lei para a recuperação de crianças, e programas de educação e prevenção para pais, crianças e profissionais.

Desde então, outras leis e emendas foram promulgadas para fortalecer a missão do NCMEC e expandir seus recursos e capacidades, incluindo a implementação de novas tecnologias para rastrear e recuperar crianças desaparecidas e exploradas. Dentre estas, destacamos o “Protect Our Children Act” de 2008, especificamente através da seção conhecida como “SAFE Act” (Securing Adolescents From Exploitation-Online Act), que exige que os provedores de serviços eletrônicos e de comunicação remota relatem à CyberTipline do NCMEC qualquer informação sobre possíveis casos de exploração sexual de indivíduos menores de 18 anos de idade.

A CyberTipline é um mecanismo disponível de forma pública e gratuita para que indivíduos e empresas de tecnologia possam relatarem suspeitas de abuso e exploração sexual de crianças na internet. No caso das empresas provedoras de serviços na Internet baseadas nos EUA, aliás, a comunicação ao NCMEC é obrigatória. Após receber os relatórios, o NCMEC atua em coordenação com as autoridades policiais para investigar e dar a resposta adequada aos casos. No caso do Brasil, essa importante parceria viabilizou a criação de ferramentas como o sistema Rapina, da Polícia Federal.

Apesar de ser a organização mais famosa e com maiores recursos no mundo, é importante mencionar que o NCMEC não se trata de iniciativa isolada, uma vez que existem outras organizações e serviços ao redor do mundo que operam com objetivos semelhantes. A INHOPE, por exemplo, coordena uma rede de linhas de denúncia em vários países, facilitando o processamento rápido de relatórios sobre material de abuso sexual infantil e sua remoção da internet. A ECPAT International, ao seu turno, embora não opere uma CyberTipline específica, é outro importante exemplo de uma rede global de organizações dedicadas a acabar com a exploração sexual de crianças, mediante aumento da conscientização e por meio de iniciativas para influenciar a política e promover ações legais contra a exploração sexual infantil, incluindo o abuso online.

No Reino Unido, destaca-se o trabalho do Child Exploitation and Online Protection (CEOP), parte da Agência Nacional de Crime (NAC), que oferece uma plataforma para o público reportar suspeitas de abuso ou exploração sexual de crianças na internet. Além disso, o Internet Watch Foundation (IWF) é outra referência importante na oferta de serviço para reportar anonimamente conteúdo de abuso sexual infantil online, no intuito de minimizar sua disponibilidade.

No Canadá, há o Canadian Centre for Child Protection que inclui o projeto Cybertip.ca, e que oferece recursos e serviços para ajudar a proteger crianças contra abuso sexual online; na Austrália, o Comissário de eSafety (Austrália’s eSafety Commissioner) para finalidade similar.

No Brasil, a principal plataforma para denúncias de abusos e exploração sexual de crianças e adolescentes na internet é a SaferNet Brasil, que há quase duas décadas atua na promoção de direitos humanos online, a maioria desse período em estreita parceria com o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dentre outras inúmeras instituições públicas, privadas e do terceiro setor.

A SaferNet Brasil oferece um canal anônimo para que cidadãos possam denunciar casos de abuso sexual infantil, racismo, xenofobia, homofobia, neonazismo, e outros tipos de crimes e violações contra os direitos humanos na internet, disponível em: https://new.safernet.org.br/denuncie, além de uma Helpline para ajuda ou orientação sobre prevenção a algumas violências online e como reportar esses crimes.

O Brasil também conta com o Disque 100, um serviço de denúncias de violações de direitos humanos, que inclui a violência sexual contra crianças e adolescentes. O Disque 100 é operado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. As denúncias recebidas são encaminhadas aos órgãos competentes para a devida investigação e ação.

Apesar de todo esse esforço global, tem-se visto um contínuo aumento das imagens de abuso em circulação na Internet. Entre janeiro e setembro de 2023, por exemplo, cresceram 84% em comparação com o mesmo período de 2022, apenas no que diz respeito às comunicações recebidas pela SaferNet, que totalizaram 54.840 notícias de conteúdo com imagens de crianças abusadas sexualmente em links disponíveis publicamente até outubro (Agência Brasil, 2023) e 71.867 no total (Safernet, 2024).

A Child Fund Brasil (n.d.), chegou a apontar o Brasil como 2º lugar no ranking mundial de exploração sexual infantil, com 320 crianças e adolescentes explorados sexualmente a cada 24 horas. Esses números assustadores têm provocado aumento exponencial da atuação da Polícia Federal, mediante operações, buscas e prisões de abusadores, além do resgate de centenas de vítimas nos últimos anos, mas não é suficiente.

Com o objetivo de reduzir o dano imensurável e a quantidade de imagens com esse tipo de conteúdo ilícito, o NCMEC lançou em 2023 uma iniciativa denominada “Take It Down” (Derrube isso, em tradução livre). Este serviço, disponível em: https://takeitdown.ncmec.org/pt-pt/, permite que adolescentes e adultos que descubram que suas fotos ou vídeos íntimos, tirados quando eram menores de idade, foram compartilhados online sem o seu consentimento, possam reportar essas imagens de forma anônima para que sejam removidas.

O “Take It Down” funciona através de uma tecnologia de hash, que cria uma espécie de “impressão digital” única para cada imagem ou vídeo reportado. Apenas esse código gerado é compartilhado com plataformas de tecnologia parceiras, o que permite que elas identifiquem e removam o conteúdo de seus serviços sem a necessidade de visualizar ou armazenar as imagens originais. A medida ajuda a preservar a privacidade e a dignidade das vítimas enquanto previne a disseminação de material de abuso sexual infantil online.

Trata-se, sem dúvida, de mais uma importante iniciativa que se junta a um movimento de derrubada geral de conteúdo ilícito na Internet, o qual, entretanto, somente terá efetividade se for devidamente compreendido em sua relevância e compartilhado por todos. Embora os desafios sejam imensos, com o aumento das denúncias de abuso e a constante evolução da tecnologia, a resposta coletiva de organizações, governos e indivíduos em todo o mundo oferece um raio de esperança.



Referências

Agência Brasil. (2023, Outubro 25). Denúncias de imagens de abuso sexual infantil na internet crescem 84%. Agência Brasil. Recuperado de https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-10/denuncias-de-imagens-de-abuso-sexual-infantil-na-internet-crescem-84. Acesso em 21.fev.2024.

ChildFund Brasil. (n.d.). Brasil ocupa 2º lugar no ranking de exploração sexual infantil. ChildFund Brasil. Recuperado de https://www.childfundbrasil.org.br/blog/brasil-ocupa-segundo-lugar-em-ranking-de-exploracao-infantil/ Acesso em 21.fev.2024.

Safernet (2024, Fevereiro 6). Safernet recebe recorde histórico de novas denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil na internet. Safernet Brasil. Recuperado de: https://new.safernet.org.br/content/safernet-recebe-recorde-historico-de-novas-denuncias-de-imagens-de-abuso-e-exploracao-sexual. Acesso em 21.fev.2024.



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