Entre a antiga e a nova Lei de Cyberbullying no Brasil
Na edição de 02 de novembro de 2023, tivemos a oportunidade de tecer breves comentários sobre a Lei nº 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em território pátrio. Com a publicação de um novo diploma legislativo sobre a mesma temática, em janeiro de 2024, pensamos ser importantes algumas novas considerações e comparações.
Conforme delineado pelo artigo 4º da lei 13.185/2015, o Programa estabelece uma abordagem abrangente e multidisciplinar para prevenir e combater o bullying em todos os âmbitos da sociedade. Seus objetivos principais incluem a prevenção da intimidação sistemática, a capacitação de educadores e equipes pedagógicas para lidar com o problema eficazmente, e a implementação de campanhas educacionais para aumentar a conscientização sobre o tema. Além disso, visa instituir diretrizes para a conduta de pais e responsáveis na identificação e no manejo de situações envolvendo vítimas e agressores, oferecendo suporte psicológico, social e jurídico aos envolvidos.
O programa busca promover uma cultura de paz e tolerância, enfatizando a cidadania, a empatia e o respeito mútuo, ao passo que preconiza a responsabilização dos agressores por meio de métodos que favoreçam a mudança de comportamento, evitando a punição excessiva. Finalmente, tem como meta a conscientização sobre a violência em todas as suas formas, com foco especial nas práticas de bullying, seja no ambiente escolar ou na comunidade, envolvendo estudantes, professores e outros profissionais.
A conduta de bullying é ali caracterizada como “ todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.”
Deste modo, o bullying é realizado quando a intimidação sistemática ocorre por meio de ataques físicos; insultos pessoais; comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos; expressões preconceituosas; isolamento social consciente e premeditado; pilhérias.
No caso de intimidação sistemática na Internet, considerada como cyberbullying, por outro lado, ocorre “quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”.
A Lei 13.185 classifica o bullying conforme as ações praticadas em verbal, moral, sexual, social, psicológico, físico, material e virtual. Este último quando ocorrer depreciação da vítima, envio de mensagens intrusivas da intimidade, envio ou adulteração de fotos e dados pessoais que causem sofrimento ou quando houver intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social, sempre por meio de novas tecnologias de informação e comunicação.
A nova Lei de Bullying (Lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024), ao seu turno, sem substituir a Lei nº 13.185/2015, “institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares” e prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, a ser elaborada e sob a responsabilidade do Poder Executivo. Além disso, promoveu alterações no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Quanto à política instituída pela Lei 14.811/2024, é possível afirmar que estabelece um marco legal e estratégico para abordar um dos problemas mais graves que afetam a infância e a adolescência no país. Ali fica reconhecido que a prevenção e o enfrentamento ao abuso e à exploração sexual devem transcender o atendimento às vítimas, considerando o contexto social mais amplo de famílias e comunidades.
Ao propor uma abordagem transversal, que inclui a capacitação continuada de todos os agentes públicos envolvidos com crianças e adolescentes em situação de violência sexual, a política enfatiza a gestão aprimorada das ações preventivas e de enfrentamento, com fortalecimento das redes de proteção existentes. Além disso, dentre outras medidas, propõe a criação de espaços democráticos para a participação e o controle social, com especial atenção aos conselhos de direitos da criança e do adolescente, para o fim de garantir atendimento especializado e em rede para as vítimas e suas famílias.
Como é possível notar, a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) têm objetivos complementares e metodologias que se interligam na promoção do bem-estar e da segurança de crianças e adolescentes. Ambas as iniciativas reconhecem, com razão, a importância de criar ambientes seguros para o público infantojuvenil, seja na escola, em casa ou na comunidade.
A relação entre essas políticas e programas pode ser compreendida através de várias dimensões: a) prevenção e educação; b) fortalecimento das redes de proteção; c) capacitação de profissionais; d) atendimento especializado; e) participação e controle social; e) promoção de cultura de paz e tolerância.
No que concerne às dimensões de prevenção e educação, nota-se que tanto a política quanto o programa enfatizam a prevenção como estratégia primordial, buscando educar a comunidade, incluindo crianças, adolescentes, pais, educadores e outros profissionais, sobre os riscos e as consequências do abuso, exploração sexual e bullying. Busca-se o empoderamento de indivíduos por meio do processo educativo que lhes garanta a capacidade de identificar, prevenir e intervir adequadamente nessas situações.
Ambos visam fortalecer as redes de apoio e proteção ao redor das crianças e adolescentes, envolvendo a colaboração entre escolas, famílias, conselhos tutelares, serviços de saúde e assistência social, além de organizações não governamentais, com o fito de criar um sistema coeso de detecção precoce, intervenção e suporte às vítimas e às famílias afetadas.
Destacamos ainda o fomento a espaços democráticos para a participação e o controle social, especialmente através dos conselhos de direitos da criança e do adolescente, como um base comum entre a política e o programa, que visam assegurar que a comunidade tenha voz ativa no planejamento, na implementação e na avaliação das políticas públicas destinadas à proteção da infância e adolescência.
Finalmente, tanto a política quanto o programa compartilham o objetivo de promover valores de respeito mútuo, empatia, cidadania e tolerância, fundamentais para a construção de uma sociedade que repudia a violência em todas as suas formas, incluindo o abuso, a exploração sexual e o bullying.
Quanto à definição e formas de manifestação do Bullying e Cyberbullying, não há uma diferença significativa entre os diplomas legislativos, todavia a nova Lei de Bullying rompe com a técnica anterior, que apenas instituía um programa de enfrentamento ao problema sem punições, ao criar novos tipos penais (art. 146-A e parágrafo único, ambos do Código Penal) e estabelecer penalidades específicas, que inclui multa ao bullying e pena de reclusão de 2 a 4 anos mais multa para o cyberbullying, exceto se a conduta configurar crime mais grave.
Nada obstante o evidente equívoco na criação de crime sem pena de reclusão ou detenção (Bittencourt, 2024), em violação ao art. 1º, da Lei de Introdução do Código Penal (Dec.-Lei 3.914/1941), a iniciativa traduz o grau de preocupação atual com a questão que tem escalado a graus nunca antes visto, em especial por conta de constantes notícias de ataques a escolas e suicídios de crianças e adolescentes, e reconhece a gravidade desses atos e a necessidade de mecanismos de responsabilização mais fortes.
Com a instituição de um programa e de uma política previstos em legislação, é preciso agora dar o passo seguinte e iniciar as medidas para a efetiva concretização desse “dever-ser”, com dados ou estudos que permitam avaliar o impacto das leis na redução de casos de bullying e cyberbullying, em busca de uma sociedade mais fraterna, pluralista e sem preconceitos, livre, justa e solidária, fundada na dignidade da pessoa humana.
Referências
Bittencourt, C. R. (2024, 7 de fev.). Lei cria medidas para proteção a vítimas de bullying e cyberbullying. Conjur. Recuperado de: https://www.conjur.com.br/2024-fev-07/lei-cria-medidas-para-protecao-a-vitimas-de-bullying-e-cyberbullying/
Sousa, S. S. (2023, 01 de nov.). Cyberbullying e ataques a escolas no Brasil: estranha coincidência?. Gazeta de Varginha. Recuperado de: https://www.gazetadevarginha.com.br/post/coluna-alerta-digital-02-11-2023
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