Coluna Alerta Digital - 04/04/2024
- gazetadevarginhasi
- 4 de abr. de 2024
- 4 min de leitura

Aristóteles, Cameralismo e uma Política Nacional de Enfrentamento a Crimes Cibernéticos
Refletir sobre a ideia de política implica necessariamente recordar um dos maiores expoentes da filosofia universal, o grego Aristóteles que em sua monumental e milenar obra “Política” reconhecia esta como a ciência de governar a polis (como eram conhecidas as cidades gregas), com vistas à promoção do bem comum e da virtude entre os cidadãos.
Deriva daí a ideia de que o ser humano é um “animal político”, o que implica reconhecer que a sua realização e felicidade dependem da quantidade e qualidade de interações que são capazes de produzir no seio de uma dada organização política.
É na vida em sociedade e nos assuntos que envolvem a cidade, assim, que o ser humano desenvolve as virtudes necessárias à vida e realiza a própria condição humana, pensava o excelso filósofo grego. Para que isso se torne possível, no entanto, há uma necessidade imanente de que existam leis que promovam justiça e controlem as ações do governo, sem o que poderia tender ao despotismo.
Alguns milênios mais tarde, no século XVIII, Johann Heinrich Gottlob von Justi, um dos principais representantes da escola alemã do Cameralismo e, por muitos, considerado o precursor da Ciência da Polícia (enquanto estudo da administração interna do Estado, englobando o bem-estar público, a ordem pública, a saúde, a moralidade, a economia e a educação), defendeu a necessidade de o Estado promover a felicidade e o bem-estar dos cidadãos a partir da ideia de uma gestão eficaz dos recursos e das instituições públicas.
Para von Justi, o governo deveria ativamente interferir na economia da nação, não apenas para aumentar a riqueza do Estado, mas também para garantir justiça social e bem-estado de seus cidadãos, o que seria possível mediante foco em educação, saúde pública, melhoria da infraestrutura e da maior eficiência burocrática, sem os quais não se poderia falar em verdadeiro desenvolvimento de um Estado forte e próspero.
Alguns milênios depois de Aristóteles e séculos depois de von Justi, as sociedades que foram objeto de reflexões desses grandes pensadores sofreram profundas transformações. Talvez o espanto e admiração não fossem capazes de serem contidos em ambos. Ainda assim, não se pode negar que os objetivos de busca da felicidade e do bem-estar são universais, seja uma sociedade camponesa, industrial ou da pós-modernidade.
Sendo assim, torna-se muito importante dar continuidade a essa ideia central e pensar uma política para essa nova sociedade digital em que habitamos. É preciso pensar, naturalmente, a partir de recortes epistemológicos, uma vez que o objeto tem dimensões gigantescas. Dentre esses recortes, como podemos pensar em uma política nacional de enfrentamento à criminalidade cibernética?
Conceitualmente, essa política seria um conjunto de estratégias, normas, e ações coordenadas adotadas por um país para prevenir, detectar, responder e punir atos ilícitos realizados por meio da internet e de tecnologias digitais.
Dentre os seus múltiplos aspectos, deve incluir uma preocupação com a adequação da legislação a cada realidade específica, na criação e aperfeiçoamento de mecanismos de cooperação internacional, no desenvolvimento de capacidades técnicas e humanas, além da questão da educação e da conscientização pública sobre os riscos associados à cibersegurança.
O desenvolvimento e constante atualização legislativa, um dos pilares de uma tal política nacional, servem para definir de forma clara o que constitui um crime cibernético, estabelecer penalidades adequadas e garantir a proteção de dados e privacidade dos cidadãos.
Mas é claro que isso não é suficiente. Torna-se imprescindível a criação e/ou fortalecimento de órgãos e agências governamentais especializadas na investigação de crimes cibernéticos, capazes de atuar de forma rápida e eficiente.
Essa atuação eficiente, ao seu turno, depende de que haja investimento efetivo na formação e capacitação de forma contínua de profissionais de segurança cibernética, incluindo policiais, promotores, juízes e demais atores envolvidos na resposta a incidentes cibernéticos.
Em face da dinâmica da sociedade hiperconectada e em permanente mudança deste século XXI, é imprescindível o estabelecimento de acordos e parcerias internacionais para facilitar a troca de informações e a cooperação em investigações que ultrapassem fronteiras nacionais, visto que os crimes cibernéticos frequentemente têm alcance global.
Mas não se pode limitar a resposta às agências governamentais. É preciso lembrar que a segurança pública é dever do Estado mas direito e responsabilidade de todos. Deste modo, é sempre bem-vinda a associação da repressão à promoção de campanhas de conscientização sobre os riscos de segurança cibernética para o público em geral, bem como sobre práticas seguras na internet, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade a ataques cibernéticos.
Uma política criminal cibernética eficaz não pode abrir mão de investimento em tecnologias de segurança avançadas e na construção de uma infraestrutura de TI capaz de prevenir e resistir a ataques cibernéticos. Além disso, deve ser capaz de promover a implementação de protocolos claros de resposta a incidentes cibernéticos, incluindo a notificação de vítimas e a recuperação de sistemas afetados.
Para que todas essas ações sejam viáveis, inclusive economicamente, urge reconhecer a importância de se fomentar parcerias entre o governo e o setor privado, especialmente com empresas de tecnologia e provedores de serviços de internet, para compartilhar informações sobre ameaças e melhorar a resposta a incidentes, exemplo que a PF já segue com alguns de seus projetos estratégicos, como é o caso do Tentáculos, do Rapina e da Base Nacional de Crimes Cibernéticos.
Por fim, mas não menos importante, é preciso ressaltar a necessidade de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias e metodologias para combater crimes cibernéticos, incluindo inteligência artificial e aprendizagem de máquina (machine learning).
Uma política nacional eficaz de enfrentamento a crimes cibernéticos, em resumo, requer um esforço colaborativo entre governos, setor privado, academia e sociedade civil, adaptando-se continuamente às rápidas mudanças no cenário de ameaças cibernéticas. Assim como Luther King, eu tenho um sonho….

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