VozesMinha mãe morou num prédio em São Paulo por muitos e muitos anos. Era, talvez, uma das moradoras mais antigas. Mantinha um bom relacionamento com o zelador e funcionários às custas de muitos sapos engolidos. E sabe por que engolia os sapos? Medo. Uma mulher idosa morando sozinha podia precisar, vez por outra, de alguma ajuda. E ela tinha pavor de pensar que alguém não gostasse dela e pudesse não a socorrer em algum momento, ou mesmo fazer alguma maldadezinha com ela.Quando me lembro disso, penso nas quantas vozes caladas por medo no nosso dia a dia. Nossas vozes sendo caladas e as vozes de outros que calamos, muitas vezes, sem perceber.E o que cala essas vozes? As relações de poder, em todos os níveis. No caso acima, o poder da saúde e juventude. Mas há muitos outros.Se houver alguma possibilidade de ser prejudicado por alguém, ainda que essa pessoa não tenha a intenção, a gente logo pensa: - Melhor me calar, em boca fechada não entra mosquito.E assim, muita coisa deixa de ser dita. Coisas Importantes. Coisas que poderiam facilitar a vida, as relações, a comunicação. Coisas que ficam engasgadas, adoecendo quem não as diz e não acrescentando a quem não as ouve.Talvez o estagiário da empresa tenha uma boa sugestão para o fluxo de trabalho, se tiver a chance de dizer. A pessoa que faz a limpeza na minha casa pode conhecer ferramentas e materiais para facilitar e agilizar o serviço, se eu lhe der a oportunidade de opinar. Nossos filhos adolescentes e jovens conhecem muito deste mundo novo e tecnológico, mas muitas vezes nós não queremos saber.Que privilégios eu tenho, que me colocam acima de outros na pirâmide de poder?Eu, mulher branca, pós-graduada, o quanto intimido a outros sem perceber? E não sei tantas coisas... Há tanto que poderia aprender das conversas caladas pela intimidação...Refletir sobre isso pode nos ajudar a diminuir essas distâncias que percebemos (ou não percebemos) todos os dias. É trabalhar pelo ODS - objetivos de desenvolvimento sustentável -número 10: Redução das desigualdades. Tornar nosso mundo um pouco mais inclusivo e interessante. Afinal, muitas cabeças pensam (e muitas vozes dão sugestões) melhor do que uma só
* Luciane Madrid Cesar
Artigo gentilmente cedido pela autora a título de colaboração com a Agenda 21 Local.
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